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Responsabilidade: duas controvérsias embaraçando as Big Four

Responsabilidade: duas controvérsias embaraçando as Big Four

Comprar a Autonomy, uma empresa britânica de software, parecia uma boa ideia para a Hewlett-Packard (HP). Investidores ocidentais estavam ansiosos para comprar dentre empresas chinesas aquelas que tinham registro assegurado nas bolsas americanas. Nenhuma das ideias parece tão quente agora. Estas duas alterações de sentimento levantaram questões embaraçosas para as Big Four empresas de contabilidade e auditoria: Deloitte, Ernst & Young, PwC e KPMG.

HP primeiro. A gigante da informática anunciou no mês passado que estava reduzindo o valor contábil da Autonomy em 8,8 bilhões dólares, em parte por causa de “impropriedades contábeis, imprecisões e falhas de divulgação”. (Mike Lynch, ex-chefe da Autonomy, nega as acusações e criou um site exigindo que a HP detalhe as acusações). Com tão poucos auditores globais para escolher, uma saga como esta acaba sugando a todos para dentro. A Deloitte foi auditor da Autonomy, Ernst & Young é auditor da Hewlett-Packard. KPMG prestou consultoria para o fechamento do negócio. PwC foi contratado pela HP para ordenar a bagunça.

Se as reclamações da HP são verdadeiras, a Deloitte, auditor da Autonomy, será a única na mira. Se elas são falsas, Ernst & Young, que irá assinar a enorme perda da HP na Autonomy, vai ter muito o que explicar. HP diz que a terceira das quatro grandes, a KPMG, “auditou” o negócio; KPMG diz que forneceu apenas um “conjunto limitado de serviços não relacionados à auditoria”.

Deloitte tem mais razão para estar nervosa. Também como auditor da Autonomy, forneceu US$ 6,7 milhões de serviços não relacionados à auditoria por mais de sete anos, permitindo críticos a levantar questões familiares sobre conflitos entre os contabilistas, os deveres de auditoria e de seu trabalho de consultoria. Deloitte aconselhou a Autonomy em remuneração de executivos, por exemplo, algo que seria proibido pela lei americana Sarbanes-Oxley, mas foi permitido na Grã-Bretanha. Além disso, a Deloitte Luxemburgo no ano passado anunciou uma parceria estreita com a Autonomy para a implantação de parte de um de seus softwares.

A saga HP-Autonomy aponta para outra característica do modelo de negócio das Big Four. O quarteto pode apresentar-se para o mercado como bem estruturadas empresas globais, mas na verdade eles são uma rede de parcerias locais juridicamente independentes. É por isso que a Deloitte LLP da Grã-Bretanha pode fazer coisas que seriam proibidas para Deloitte LLP nos Estados Unidos, apesar da sua participação comum na rede Deloitte Touche Tohmatsu.

Em 03 de dezembro esta estrutura de rede foi atacada por mais um trimestre. Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) acusou as Big Four e a BDO (uma pequena empresa) por se recusarem a compartilhar documentos de auditoria de empresas chinesas listadas nas bolsas americanas. As divisões chinesas das Big Four auditaram várias empresas chinesas listadas nas bolsas do exterior e que acabaram afundando. Entre estas estão a Longtop Financial, uma empresa de tecnologia que já foi descredenciada nos Estados Unidos, e a Sino Floresta, que as autoridades canadenses estão investigando por supostamente simular seus ativos florestais.

Órgãos reguladores americanos, incluindo a SEC e o Comitê de Supervisão de Contabilidade das Empresas Públicas (PCAOB), vêm exigindo os papeis de trabalho das auditorias polêmicas para as filiais chinesas. Isso coloca os auditores em uma situação difícil. Os reguladores americanos devem garantir que os auditores externos das empresas listadas nos Estados Unidos estão fazendo seu trabalho adequadamente. Porem leis chinesas proíbem o compartilhamento desses documentos com o fundamento, vagamente definido, de que “Segredos de Estado” pode vir à tona.

Por um tempo, as negociações sino-americanas pareciam estar fazendo algum progresso em um compromisso. Alguns meses atrás, funcionários do PCAOB foram autorizados a observar as suas contrapartes chinesas durante um exercício de “construção de confiança”. Mas uma reunião entre os dois lados em novembro parece ter terminado friamente, e a SEC endureceu sua posição nesta semana ao declarar que “as empresas que realizam auditorias sabendo que não pode cumprir com os requerimentos legais da necessidade de acesso aos papeis de trabalho enfrentarão sanções graves”. O PCAOB deve fazer uma declaração no final do ano dizendo que se um auditor externo não for devidamente inspecionado por Autoridades americanas, vai ter seus registros cancelados.

Se essa regra for mantida pelos tribunais e confirmada como política, significara que as filiais das Big Four na China podem perder muitas multinacionais como clientes, pois as leis americanas exigem que as empresas utilizem auditores registrados. Ela também pode forçar a saída de dezenas de empresas chinesas listadas na América. Talvez por antecipação, o China Development Bank, uma instituição estatal, recentemente reservou mais de US$ 1 bilhão para ajudar as pequenas empresas a deixarem as Bolsas americanas.

A alegação das Big Four é que sua escala global e o âmbito multidisciplinar são coisas boas. Em certo sentido, elas estão certas. Consultoria é o mais rápido crescimento dos negócios das Big Four; Ásia, o mais energético crescimento das regiões que elas operam. Mas os acontecimentos das últimas semanas mostram que há perigos, também, na tentativa de ter o melhor de todos os mundos.