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O pressuposto da continuidade operacional e auditoria independente

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Fazendo uma análise do primeiro ano de adoção do novo relatório do auditor, observamos uma considerável melhora no conteúdo dos relatórios publicados, principalmente pelas companhias abertas. Recente pesquisa do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON) apontou que 18% das empresas abertas listaram o tema “continuidade operacional” (going concern) entre os Principais Assuntos de Auditoria (PAA). Os principais assuntos de auditoria (obrigatório apenas para as empresas listadas) se referem àqueles temas mais relevantes associados ao processo de auditoria das demonstrações contábeis conforme o julgamento do próprio auditor. Lembrando que entre as motivações para a mudança do relatório do auditor podemos destacar a demanda dos usuários (particularmente dos investidores) por informações úteis para a tomada de decisão. Não podemos deixar de destacar as exigências em relação as demonstrações financeiras e a complexidade na aplicação das IFRS (a utilização de estimativas e julgamentos).

Como reflexo da crise econômica, a incerteza com relação a continuidade operacional das empresas é um dos maiores desafios do profissional auditor no desenvolvimento do trabalho de auditoria. Diante do contexto apresentado, qual é a responsabilidade das companhias em relação a continuidade? Como deve ser reportado? Qual é a responsabilidade do auditor e como conduzir o assunto durante a auditoria e no relatório do auditor? Em nossos trabalhos de campo temos convivido com essa realidade e o nosso objetivo aqui, é falar um pouco como as empresas e auditores independentes devem tratar o assunto a luz das normas contábeis e de auditoria vigentes.

O item 4.1 da Estrutura Conceitual para Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis emitida pelo CPC, estabelece que as demonstrações contábeis devem ser elaboradas no pressuposto de que a companhia continuará em operação no futuro previsível. Ou seja a companhia não tem a intenção nem a necessidade de entrar em liquidação ou de reduzir materialmente a escala de suas operações. Em uma ocasião em que a intenção da companhia é de encerrar as suas atividades por exemplo, os seus ativos seriam avaliados pelo seu valor realizável (valores em caixa ou equivalentes de caixa que poderiam ser obtidos pela venda) e os seus passivos pelos valores de liquidação (valores em caixa ou equivalentes de caixa, não descontados, que se espera seriam pagos para liquidar as correspondentes obrigações no curso normal das operações da companhia).

Por sua vez, o item 25 do CPC 26, que trata da apresentação das demonstrações financeiras, estabelece que, quando da elaboração das demonstrações contábeis, a administração deve:

• fazer a avaliação da capacidade da entidade continuar em operação no futuro previsível;
• elaborar as no pressuposto da continuidade, a menos que a administração tenha intenção de liquidar a entidade ou cessar seus negócios, ou ainda não possua uma alternativa realista senão a descontinuidade de suas atividades;
• ao fazer a sua avaliação, de incertezas relevantes relacionadas com eventos ou condições que possam lançar dúvidas significativas acerca da capacidade da entidade continuar em operação no futuro previsível, essas incertezas devem ser divulgadas;
• quando as demonstrações contábeis não forem elaboradas no pressuposto da continuidade, esse fator deve ser divulgado, juntamente com as bases sobre as quais as demonstrações contábeis foram elaboradas e a razão pela qual não se pressupõe a continuidade da entidade.

Adicionalmente, o item 26 desse pronunciamento estabelece que, ao avaliar se o pressuposto de continuidade é apropriado, a administração deve levar em consideração toda a informação disponível sobre o futuro, que é o período mínimo (mas não limitado a esse período) de doze meses a partir da data do balanço.

A NBC 570 (continuidade operacional) apresenta uma série de indícios que individualmente ou coletivamente podem levantar dúvidas sobre a continuidade de uma entidade, entre as quais podemos destacar: patrimônio líquido negativo, prejuízos operacionais significativos e fluxos de caixa negativos, falta de crédito com fornecedores e bancos, perda de linhas de financiamento, perda de pessoal chave…

Em uma situação hipotética, em que uma companhia apresenta excesso de passivos sobre ativos circulantes, dificuldade de obtenção ou renovação de linhas de crédito, perda de clientes, entre outros eventos operacionais e financeiros que afetam a geração de caixa da empresa, indica a existência de uma incerteza material que pode suscitar dúvidas significativas sobre a continuidade operacional da Companhia. Deverá então a entidade divulgar em nota explicativa, os seus planos para redução de endividamento (a partir do refinanciamento ou alongamento de dívidas), como fará a captação (ou renovação) de linhas para financiamento de suas atividades, se haverá aumentos de capital ou aporte de recursos pelos sócios ou acionistas, redução de despesas, e tal plano deve ser exequível.

Se não existir incerteza relevante quanto a continuidade da entidade, a entidade deve elaborar suas demonstrações contábeis de acordo com o pressuposto da continuidade, e o relatório de auditoria não tem nenhum impacto em decorrência desse assunto.

Em linha com a NBC TA 200 (Objetivos Gerais do Auditor Independente e a Condução da Auditoria em Conformidade com as Normas de Auditoria) que estabelece a linha divisória entre a responsabilidade da administração e dos auditores independentes, a responsabilidade primária pela análise da capacidade de continuidade da entidade é da administração da companhia, enquanto cabe ao auditor:

• obter evidência de auditoria apropriada e suficiente sobre o uso de forma adequada, pela administração, do pressuposto da continuidade na elaboração de suas demonstrações financeiras;
• concluir se existe incerteza significativa sobre a continuidade operacional; e
• determinar as implicações desse assunto no relatório contendo sua opinião sobre as demonstrações financeiras.

A estrutura do novo relatório do auditor, contempla uma seção específica para tratar da incerteza material relacionada com a continuidade operacional (se aplicável).

O assunto é bastante complexo e desafiador tanto para a companhia quanto para o auditor independente. Visto que o auditor na condução dos seus trabalhos não pode prever com precisão as condições que podem levar a entidade a interromper a sua continuidade. Portanto o auditor na condução do seu trabalho deve atentar para os requisitos da NBC TA 570, na avaliação do risco de distorção relevante, revisão da avaliação da administração da continuidade, avaliação do período posterior ao período de avaliação procedida pela administração.

Se as demonstrações forem elaboradas de acordo com o pressuposto da continuidade, mas esse pressuposto não for apropriado, o auditor deve expressar opinião adversa.

O nosso objetivo desse artigo é de provocar uma reflexão sobre o tema aos preparadores, auditores e usuários das demonstrações financeiras sobre o tema e do seu tratamento, que aqui não é esgotado.


Leitura Recomendada:
– CPC 00 – Estrutura Conceitual para Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis
– CPC 26 – Apresentação das Demonstrações Financeiras
– NBC TA 200 – Objetivos Gerais do Auditor Independente e a Condução da Auditoria em Conformidade com as Normas de Auditoria
– NBC TA 570 – Continuidade Operacional
– NBC TA 700 – Formação da Opinião e Emissão do Relatório do Auditor Independente sobre as Demonstrações Contábeis
– NBC TA 701 – Comunicação dos Principais Assuntos de Auditoria no Relatório do Auditor Independente
– NBA TA 720 – Responsabilidade do Auditor em Relação a Outras Informações