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Desafios atuais no enforcement de normas de auditoria independente.

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12/11/2021

Na quinta-feira, dia 28 de outubro, às 19h, o IREE Mercado [1] convidou grandes especialistas para debater questões relevantes que permeiam o enforcement sobre auditores independentes, como materialidade, julgamento do auditor e revisão pelos reguladores. Participaram Valdir Coscodai, sócio da PwC Brasil e presidente do Instituto Brasileiro dos Auditores Independentes (Ibracon), Adriana Toledo, procuradora do Banco Central do Brasil e presidente do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), e Fernando Caio Galdi, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O diálogo foi mediado por Henrique Machado, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ex-secretário do Conselho Monetário Nacional (CMN) e presidente do IREE Mercado.

A atuação do auditor independente é fundamental para o regular funcionamento do mercado financeiro, diminuindo a assimetria informacional entre os participantes. Em processos administrativos sancionadores envolvendo a conduta de auditores independentes, um dos aspectos mais controvertidos é a opinião fundada no julgamento profissional do auditor, que envolve critérios e considerações de difícil aferição pelos reguladores. A convergência entre padrões internacionais de contabilidade e as normas vigentes no Brasil não afasta considerações de ordem subjetiva, atinentes à experiência e às melhores práticas adotadas pelos profissionais.

Nesse contexto, é importante elucidar quais são as principais balizas para a supervisão e eventual aplicação de penalidades a auditores independentes pelas instâncias sancionadoras do Sistema Financeiro Nacional.

A seguir, apresentamos uma síntese dos principais pontos abordados [2].

Qual o papel do auditor independente?

O objetivo principal do auditor é o de zelar pela transparência e confiabilidade dos relatórios elaborados pelas companhias. Essa atividade, altamente regulamentada, é um pilar da governança corporativa. Esse objetivo é alcançado pela adoção de critérios e procedimentos que visam assegurar que os relatórios apresentados estejam livres de distorções relevantes, uma definição importante trazida nas normas profissionais.

De acordo com Valdir Coscodai, desde os anos 1970 essa atividade era conduzida de forma bastante subjetiva, com prevalência de certa autorregulação. Um marco temporal importante a ser destacado foi a proposta de adoção de normas e padrões internacionais de contabilidade para dar um salto de qualidade na elaboração e auditoria das demonstrações financeiras, conforme proposto pelo Ibracon entre 2009 e 2010.

Há dois grandes grupos de normas, elaboradas por grupos multidisciplinares e submetidas a revisões periódicas, para garantir que sejam alcançados os resultados pretendidos. Temos as normas profissionais, que dizem respeito ao modo como o auditor deve agir profissionalmente, com zelo e sigilo etc. e as normas de auditoria, atinentes à técnica que deve ser empregada por esses profissionais para emitir sua opinião.

Valdir Coscodai explica que o auditor se vale de métodos estatísticos para definir amostras, um recorte para delimitar a extensão do seu trabalho, incluindo parâmetros quantitativos de materialidade e documentos a serem considerados para que seja emitida uma opinião. Ainda, o auditor deve estabelecer controles internos para assegurar a observância dessas normas. Merece também destaque o procedimento de revisão pelos pares, em que uma empresa avalia o sistema e os controles adotados por outra e, adicionalmente, se submete a inspeções periódicas realizadas pelos reguladores.

Coscodai apontou que é dever do auditor buscar educação continuada, especialmente em termos de tecnologia da informação e o Ibracon tem considerado esse tema como uma prioridade em suas iniciativas.

Como avaliar a qualidade da auditoria?

Fernando Galdi, diretor da CVM e professor, ressaltou a relação entre a profissão de auditoria e a credibilidade das informações disponíveis aos participantes do mercado, do que resulta uma melhoria na alocação de recursos no sistema econômico e uma maior eficiência contratual. Esses são os principais benefícios para a sociedade como contrapartida aos custos regulatórios decorrentes. Sem a garantia da qualidade da informação, certos mercados se tornariam inviáveis, como demonstram estudos clássicos de economia.

Para Fernando Galdi, em uma perspectiva tradicional, a qualidade do trabalho de auditoria envolve a probabilidade de que o auditor detecte e reporte uma falha nas demonstrações contábeis. Em uma visão mais moderna, a qualidade adquire uma dimensão adicional: o auditor deve aferir se as escolhas contábeis feitas pela entidade façam com que as demonstrações contábeis reflitam a sua realidade econômica, cada vez mais complexa, e estão de acordo com os padrões internacionais.

Mencionando estudo empírico sobre os relatórios de auditoria [3], Galdi aponta três forças identificadas como determinantes para a qualidade dos trabalhos de auditoria: a demanda dos clientes (relativa à constituição de comitês de auditoria, complexidade de controles internos), a oferta de serviços de auditoria (envolvendo a preocupação com reputação e riscos de litigância) e a intervenção regulatória. Esses fatores se manifestam de forma diversa em países diferentes. Ainda, há companhias cujo setor de atuação também influencia a qualidade do trabalho dos auditores, em virtude de características específicas.

Galdi destacou, por fim, o potencial da tecnologia de informação para aumentar a qualidade da auditoria, pelo incremento da capacidade de processamento de dados, com maior amplitude das amostras definidas nos trabalhos. Por outro lado, novos instrumentos financeiros introduzem elementos de decisão mais subjetivos e, portanto, de avaliação mais complexa pelos auditores. Poder-se-ia afirmar, assim, de maneira lúdica, que há apenas três números que são objetivos nas demonstrações financeiras: o CNPJ da empresa, a data de referência e o CRC do contador.

O diretor da CVM apontou, ainda, a relevância das normas de independência e prevenção de conflito de interesses, os padrões de controles de qualidade internos, a revisão pelos pares, o programa de educação continuada e as normas de conduta. A Resolução CVM no 23/2021 consolidou diversas disposições sobre a profissão de auditor independente, que deve observar as normas específicas da CVM, as normas emanadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e os pronunciamentos técnicos do Ibracon, tanto para controle de qualidade interno como externo.

Qual o papel do CRSFN?

Adriana Teixeira Toledo, Presidente do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) e do Conselho de Recursos do Sistema Nacional de Seguros Privados (CRSNSP), destacou a perspectiva de entidades sancionadoras, com a dificuldade encontrada no julgamento de processos sobre a conduta de auditores independentes, dada a subjetividade das escolhas e a pluralidade de normas. O auditor é um “braço avançado” do regulador junto ao mercado, atuando para garantir a qualidade das informações prestadas.

A Presidente do CRSFN destacou o processo de contínuo aperfeiçoamento das normas com a edição da Resolução CVM no 23/2021, a Resolução CMN no 4.910/2021, a Resolução BCB no 130/2021 e, ainda, atualizações da auditoria atuarial regulada pela Resolução CNSP no 321/2015. O Estado atua tanto na repressão como na prevenção de problemas, com reuniões periódicas e a preocupação com a antecipação diante de tantas mudanças recentes e questões complexas e controvertidas à frente — envolvendo criptomoedas, créditos de carbono, títulos verdes, por exemplo.

O CRSFN faz parte desse sistema de regulação, supervisão, fiscalização e, dentro das restrições temáticas dos processos administrativos sancionadores que chegam até aquele colegiado, ouve todos os participantes para a formação de sua convicção, respeitando as garantias fundamentais, inclusive com aplicação subsidiária de normas penais. Para Adriana Toledo, o ponto nevrálgico do trabalho do CRSFN é estabelecer limites para a subjetividade do julgamento profissional do auditor.

Qual o limite da subjetividade?

Para Coscodai, o julgamento profissional do auditor deve explicitar as suas bases de referência, as circunstâncias e os fatores que justificaram as escolhas dentre as alternativas disponíveis. A decisão do auditor deve ser fundamentada, em consonância com as evidências constantes nos papéis de trabalho. O racional adotado deve ser convincente.

Galdi procurou ilustrar a dificuldade enfrentada por meio de um exemplo: a compra de uma máquina, cuja decisão não é apreciada pelo auditor. A entidade precisa reconhecer esse ativo e definir critérios de depreciação, cabendo ao auditor apenas verificar a adoção desses critérios e os cálculos decorrentes. Essas decisões se tornaram mais complexas com o aperfeiçoamento das normas contábeis, envolvendo escolhas a respeito de taxa de depreciação, vida útil e valor residual, conforme a efetiva utilização daquela máquina. Nesse contexto, o auditor deverá averiguar se as definições previstas nas normas contábeis foram devidamente observadas pelos gestores. Ainda, diante da inovação tecnológica, os critérios adotados poderão ser revistos, levando à necessidade de uma reavaliação dos valores reconhecidos.

O diretor da CVM entende, assim, que cabe ao regulador analisar se, do ponto de vista procedimental, as normas de auditoria foram devidamente observadas em todo o trabalho conduzido, com avaliação criteriosa e verificação das premissas adotadas. O foco deve ser o procedimento adotado e não o conteúdo das decisões do profissional.

Falhas objetivas no procedimento de auditoria e a aplicação de penalidades

Henrique Machado fez uma provocação final a respeito de infrações procedimentais mais simples, tais como a não realização de reunião prévia para os trabalhos de auditoria, não circulação de correspondências, não preservação dos papéis de trabalho ou a ausência de memória do racional adotado nas decisões. Em alguns processos sancionadores na CVM, foram aplicadas penalidades de multa e suspensão do auditor em que a auditoria foi considerada inepta pela grande quantidade de infrações objetivas como as mencionadas. Nesse contexto, questionou a relação entre as penalidades aplicadas pelo CRSFN conforme o tipo de falha de auditoria e o porte da empresa de auditoria independente.

Adriana Toledo comentou a existência de precedentes da CVM que condenaram auditores à penalidade de inabilitação temporária diante de um contexto de falhas múltiplas, especialmente no caso de empresas de menor porte, que até mesmo podem preferir essa penalidade a pagar multas. Destacou, por oportuno, caso no qual o acusado preferiu a pena de suspensão de direitos em detrimento da multa, por entender ser aquela menos gravosa do que esta.

Por fim, Adriana Toledo destacou que há subjetividade nas decisões do gestor da companhia, no julgamento profissional do auditor e no julgamento da instância sancionadora que, eventualmente, avalia sua conduta. Portanto, estaríamos muito longe de um sistema de decisões automatizadas e objetivas acerca dos trabalhos de auditoria, a despeito da possibilidade de utilização de tecnologias da informação na modernização da profissão.

Fonte: Consultor Jurídico – 11/11/2021

Fonte: ibracon.com.br


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